UM CONTO INFANTIL OITO


NA RUA

Eu vi um cachorro marrom lambendo a água da sarjeta da Avenida Cidade Jardim. Na caranga muitas coisas se perdem. O vulto da vermelhidão semafórica perpetra cintilantemente na faixa listrada um holofote devasso que interrompe o fluxo pneumático do trânsito cosmo lunático.
A luz do poste, que se funde com a lua ao olhar de olhos desenraizados, ilumina a superfície diagonal do estabelecimento precoce da relação biográfica de Marta Suplicy com a mapografia panorâmica da cidade de São Paulo.
A aparição repentina da autosuficiência regida sob a forma de pequenos morcegos ensangüentados translucida, através das travessas e becos diagonais, as transversais atravessadas na noite.
Com o auxílio de uma insígnia supervalorizada e um cano de ferro chumbado, os homens de bonés cinza andam em seus carros iluminados e barulhentos. Equipados e sempre alertas, a ronda programática é feita diuturnamente sob a égide de sãos padroeiros e correligionários.
Por outro lado, a água que o cachorro vira lata bebia exerce a função, nessa parábola abstemológica, da precariedade sintomática das anomalias urbanas próprias dos elementos caóticos da cidade grande em dias de muito chuva. Sete mil garrafas pet, entre refrigerantes e águas e sucos e iakultes, trezentos potes de requeijão e iogurtes, alguns vazios e outros estragados, e a lixeira suburbana se consome vagarosamente implodindo as fundações palaciais de forma a perdurar para a eternidade a imagem arrasadora da destinação institucionalizada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário