'MEDIANO' - uma crítica teatral


MEDIANO – COM MARCO ANTONIO PÂMIO, DIREÇÃO DE NAUM ALVES DE SOUZA E TEXTO DE OTAVIO MARTINS
MEDIANO – Uma crítica Mediano. Um perigo. Radicalização de subterfúgios. O limite da usurpação da máquina pública. Atualíssimo. Instantâneas e constantes e subseqüentes bizarrices sobre a esteira rolante ao abismo. Brasil, o país do futuro, segundo Stefan Zweig, pensador alemão exilado em terras tupiniquins desde 1941 até o ano de sua morte suicida, oito meses mais tarde.Mas voltemos à esteira rolante ao abismo de incongruências congressistas do congresso nacional. O assunto, neste caso. O texto potente de Otavio Martins, aliado à direção sutil de Naum Alves de Souza, mais a multinterpretação aterrada de Marco Antonio Pâmio, entre outros, se unem numa unidade concreta de imagens superpotentes e perfurantes e...é o espetáculo. No SESC Pinheiros. E depois no Parlapatões. Um tema da brasilidade secular. Desde que o samba é samba. Desde que o futebol é futebol. Desde que o homem é um homem...a corrupção. Enraizamento de costumes podres de surrúpios de bens alheios. No caso, a verba pública. Milhões desviados. Um retrato poético e plausível da plácida margem do Ipiranga retumbante e sua política, em especial o congresso nacional, em Brasília-DF.Assistam. Ótimo espetáculo. Parabéns a todos. Seu Molina.

'PALHAÇOS' - uma crítica


OS PALHAÇOS DOS ENCONTROS – CRÍTICA AO ESPETÁCULO ‘PALHAÇOS’, TEXTO DE TIMOTCHENKO, DIREÇÃO DE GABRIEL, ATUAÇÃO DE DAGOBERTO, DANILO, DEPENDE.
07 maio 2009

Cruel sentido sobressai na leve sublevação conectiva entre duas mascaras que revelam e escondem ao mesmo tempo.
Aquele que busca conforto no desconhecido pode dar de cara com um buraco negro no qual se perderam todos os sentidos.
Por outro lado, a solidão mora ao lado do orgulho de não aceitar-se em sua ingenuidade. Quem procura reconhecer-se a partir do outro não pode perceber seus próprios frutos; que lhes conferem identidade.
Qual capacidade psico-física do palhaço que, ao revelar-se na relação com o outro, revela nada menos que o outro.
O limite tênue do riso entalado para o choro fugido da garganta transforma-se em gota salgada que escorrega só pela janela da alma.
Uma relação pesada e, contudo, quase psicodramática.
Expurgação dos medos de quem olha de fora.
Pânico caótico por trás da máscara. Desequilíbrio constante. Escuta de duas vias eleva à máxima potência a escuta do vértice contrário do triângulo. Extrema conexão com a platéia.
Excelente espetacular exercício.
Seu Molina.

NUM LAGO DE PATOS E CORVOS


Um lago. Sujo. Fedido. Feio.
Numa margem, patos. Noutra, corvos.
Havemos de denominar este ponto de vista, o do autor, o dos patos. Portanto, por conseqüência, havemos de denominar o lado dos corvos de o outro lado.
Feitas as elucidações preliminares, passamos a relatar o que houve naquele literalmente fatídico dia – ao menos é o que se deve ou pode deduzir da presença de abutres – no qual a comunidade patolina assistiu ao falecimento precoce do patinho que mal tinha largado as fraldas.
Todos guardavam o corpo do patinho em cima de um tronco de madeira dentro de uma pequena barraca improvisada, com uma caixa d´água e até um pequeno barco na borda do lago. Todos os patos, em volta do dito cujo, entoavam canções fúnebres ancestrais, que datavam de mil setecentos e oitenta e nove, quando um ‘french-duck’ como era conhecido, morreu decapitado junto com seu dono, o rei da França.
A revolução deixou a comunidade de patos perplexa. Todos os patos de Paris vieram aos muros da Bastilha e criaram La marseillaise patolina.
Essa toada chegou a São Paulo quando, confundidos com galos e galinhas saudáveis fugidas da gripe espanhola, na década de trinta, patos franceses, os famosos french-duck, mas também patos ingleses, alemães, holandeses, italianos, gregos e, principalmente, espanhóis, vieram nas primeiras imigrações e desembarcaram no porto de Santos.
E desde lá as canções fúnebres fazem parte do cotidiano funerário dos patos.
Fato é que, em dois mil e nove, cerca de trinta patos cantavam La marsellaise patolina em versão tupiniquim.
Quando já estavam finalizando o rito, se ouviu um piado corvalino. E de repente mais um piado corvalino. E os piados corvalinos, do nada, começaram a surgir mais intensos e avolumados.
Da janela da cabana, via-se a margem oposta repleta de corvos famintos em busca de um pedaço de carne fresca; o precoce patinho que mal tinha largado as fraldas.
Os corvos, ou abutres, ou urubus, se amontoavam cada vez mais e sobrevoavam a cabana dos patos com uma pachorra inacreditável. Os patos não poderiam vacilar. Qualquer bobeada seria o fim.
Uma das máximas da toada patolina diz respeito exatamente a isso: nunca deixe de amar e proteger seus mortos assim como aos vivos.
A batalha seria dura.

CHARADA


O menino do boné vermelho pra trás senta na guia do meio fio que divide a praça da rua. Espera a máquina tricolor esverdear e conduzir à sua fluidez truncada o trânsito de carros de janelas fechadas e blindadas. As havaianas pequenas deslizam e deixam sua marca no asfáltico solo, incandescente piano de poucas cordas bambas.
Esverdeou. Os paquidermes de Roberto Piva se enfileiram quais gotas d´água sendo comprimidas num frasco de perfume azedo.
No meio das janelas suspensas, destaca-se ao fundo um vidro lascado e trincado e o menino, então, como num corredor escuro que finda num ponto luminoso, caminha diretamente ao rapaz por trás do volante e diz:
- Posso fazer uma pergunta?
O rapaz olha para o menino e diz que sim.
O menino diz:
- Qual é o meio de transporte que não faz curva?
E o rapaz, no seu íntimo inconsciente, lembra que aquela pergunta já lhe havia sido feita num passado de localização inqualificável, talvez pelo mesmo menino da rua, ou não.
E, como se lembrara da pergunta, por certo, mas não óbvio, lembrou-se da resposta:
- Elevador!
O menino fez cara de quem acha que a vida segue rumos estranhos àqueles por nós planejados. A sua frustração evidente estampa-se na cara até quando o rapaz do volante diz como quem tenta dar um conselho:
- Você devia fazer perguntas mais difíceis.
O menino abre um sorriso com um dente faltando e outro mole e se afasta para a guia à espera do momento em que a máquina, novamente, vai lhe trazer, daqui a uma hora, talvez, uma outra janela aberta e disponível.

ACAMPAMENTO, parte 1


Num dia, em mil, novecentos e noventa e um, em julho, Eduardo e Daniel vão a um acampamento, de sítio desconhecido, gente aterradoramente desconhecida para dois jovens pré-adolescentes de dez anos cada, habituados ao conforto do lar, aconchego das forças comunicativas de amizade, camaradagem, prosperidade...
Um lugar feito de muito paralelo concreto sobre construção sub-terrestre de fiação e cabo elétrico e tubulação de esgoto do Sr. Amanco.
Poucas gramas verdes, cuja tonalidade se confunde com a areia que sobrou do grão da pedra de fogo que o diabo amassou. Que Deus nos livre e guarde, irmão!
Aterrorizante. As flores não têm cheiro e as mexericas qual sabor seco sem gosto, insosso. As pessoas, uns brutamontes canibais carnavalescos de referência epistemológica quase nula. Os monitores, uns débeis mentais da idiossincrasia revitalizante da auto-estima de um jovem pré-adolescente que pouco saiu do tubo protetor.
Vale pesar, neste momento, alguns fatores importantes, justificadores do método e da linguagem adotados. Primeiro, porque são memórias do pré-adolescente. Segundo, porque este episódio se encontra há dezoito anos entre os cordões da metabiografia sensorial.
O irmão mais velho, por um minuto que seja, se imbui do espírito de proteção e cuidado alheio.
O outro o admira e agradece a sua presença, vacilante contudo, naquele lugar do qual pouco se tem impressões positivas.
Os dez dedos se unem com força e impressionantemente. Muito forte. Nada pode os separar.
A noite é fria com a solidão daquele que observa as estrelas e acha tudo lindo e o brilho prateado que reflete suas silhuetas na imagem da lua, finíssima, presente naquele show anti escatológico, que fortalece o viver do ser humano...medo. inseguro.

PONTO DE FUGA


O ponto de fuga é o meio radioativo da transcedentalidade cosmo corpórea, que, por sua vez, é a demolidora da parodial ruptura infra comunicativa. Superlação diversa não há.
Presença tonificante e espontânea e consciente predia a prazerosa, de canais de perdigotos, a união.
Forma arredondada ilumina com holofotes ultra interinos, com suave docilidade, a sabedoria placto fantasmagórica e vitalizante da extrema jurisprudência negatória. A incredibilidade espantatória não alcança a sua contrariedade reparatória. Por sua vez, o amor é a chave.

RECREIO NA ESCOLA DE ARTE DRAMÁTICA


O menino da camisa roxa listrada usa calça jeans. A flor pendurada na árvore seca de outono ao fundo está solitária. A menina de cabelo castanho comprido cruza os braços e leva a mão à boca e repete esse movimento algumas vezes, enquanto o menino que fala fino fala ao celular, cuja frente reflete branco sobre o seu adunco nariz.
Agora eles foram embora.
Um chafariz. Muitos sonhos falando alto ao mesmo tempo. Muitos egos ganhando espaço pela grama mal cuidada como sombra no pé de manjericão da silhueta alheia.
O que se acha bonitinho leva um óculos branco acima da testa, prendendo seu lindo cabelo castanho como tiara. O meninão pede um cigarro. Eu não fumo. A do francês passa do lado da árvore amarela enquanto a menina do violão vai embora de carona num lindo corsa alado prata, quatro rodas.
Umas histéricas riem como gralhas parvas de lusidio bico fino.
Vento frio treme os poros e invade a corrente mágica até a caixa de isopor, que faz mandar a mensagem. Menina bonita deixa seu cheiro de perfume doce e de fruta de meia estação no ar. Um pêssego. Talvez um melão, melancia ou nêspera. É hora. Vou-me embora. Tchau.

CALOURADA RECEPÇÃO – UM ELOGIO À SEXAGÉSIMA PRIMEIRA TURMA DA ESCOLA DE ARTE DRAMÁTICA, ECA-USP (CRÍTICA)


A alva e nada pálida planície vibrante de corpos quentes e firmes e conectados com a terra se transfigura em um supercomputador que gera delirantes e deliciosas reflexões com imagens recheadas e cobertas com poesia...simplicidade...sei lá...o grupo estabelece o concreto. O visível. Física quântica. Química quântica.
A brincadeira de criança faz a cama. Lindo. Convidativo à viagem. O universo infantil, em sua pureza plena e verdadeira, dá vida e ampliada percepção ao jogo cênico.
Busquemos, jovens, essa pureza em sua mais pura verdade. Façamos do simples o momento presente. Sem prevenção. Um momento único a cada segundo...
Parabéns!

Seu Molina

MORRE AUGUSTO BOAL. Pesadíssima perda para o teatro, para o mundo

E quando algum indefinido micro organismo invade o sistema complexo de Augusto Boal e lhe causa, de maneira rápida e eficiente, a morte? O que fazer?
Um câncer lhe tira o domínio de seu próprio corpo. Leucemia. Qual opressão! Opressão. Oprimido. O teatro do oprimido.
O carioca, que passou dessa para outra aos setenta e oito anos, contribuiu expressivamente para o teatro brasileiro e para o teatro internacional. O teatro do oprimido aborda um método adotado por inúmeros conjuntos, desde os esquimós até os marujos portugueses e europeus. É mundial. Augusto Boal. Enorme perda.

Seu Molina