ERVILHAS

Havia, certa vez, uma comunidade de ervilhas verdes, na sua maioria. Mas disso falemos mais tarde. Todas elas viviam harmoniosamente, na medida do possível, e do impossível também. Eram por cerca de seiscentas e vinte ervilhas que dividiam um espaço de pouco mais de setecentos centímetros cúbicos. Levando-se em conta que cada ervilha tinha, em média, um centímetro cúbico, umas mais e outras menos, e que entre elas transitava uma água da qual falaremos logo mais, cada ervilha ocupava quase o seu próprio tamanho. Ou seja, quase não podiam se mexer, a não ser quando a água as empurrava para rumos relativamente desconhecidos. Guardadas as devidas proporções, era como se na cidade de São Paulo houvesse quinze milhões de caixões e que cada um deles fosse ocupado por um habitante, de modo que não pudessem se mover, respirar ou comunicar-se entre si. E que esses caixões estivessem boiando num alagamento sem fim. No caso das ervilhas, é sabido que essas não tem pulmões e, por tal razão, não precisam de ar puro. Fato que, por si só, alivia para o lado das bolinhas verdes quando dizemos que as mesmas não podiam respirar. Voltemos à água. Era uma água que vivia lá desde os primórdios daquela comunidade. Fazendo uma retrospectiva de sua vida passada, as ervilhas não se lembram de terem convivido sem a presença daquela água, que sempre se marcou pela sua presença forte e incontestável. A água era de um verde bastante característico, impregnada da essência das próprias ervilhas, embebida da vitalidade e sabor, cor e cheiro das mesmas. A água, naquela comunidade, era onipresente. Estava em todo e qualquer lugar que não fosse ocupado por uma ervilha. Ela tinha a função de evitar toda sorte de desentendimentos entre as habitantes daquele sítio, que era muito pouco arejado, diga-se de passagem. Aliás, não era arejado – não tinha ar, posto que já foi dito que naquele espaço eram ervilhas ou água – e também era muito pouco iluminado, uma vez que o sol não conseguia, ou pelo menos nunca conseguiu até aquele dia, alcançar as redondezas habitadas pelas ervilhas. Levando-se em consideração, mais uma vez, que as ervilhas não têm olhos para enxergar, essa escuridão também não chegava a ser um grande problema. Por outro lado, ainda que a luz e o calor do sol não se presentificassem diante daqueles seres minúsculos, é certo dizer que lá dentro era bastante quentinho. A água mantinha uma média de temperatura de vinte e oito graus, o que trazia uma sensação de conforto para as ervilhas. Mas essa sensação de conforto era apenas aparente, pois, apesar de sua serenidade e calma, a água comandava com mãos de ferro toda aquela região. Cada ervilha tinha o seu próprio espaço e não podiam transitar fora dele. Havia a região nobre da comunidade, onde as maiores ervilhas, mas a minoria delas, tinham o direito de sitiar. Ou seja, apenas vinte por cento da totalidade das ervilhas ocupavam a metade inteira de cima da lata – sim, é uma latinha de ervilha, cuja marca é desnecessário mencionar. O restante das ervilhas, de cor não tão verde, algumas amareladas, outras opacas, tinham a metade de baixo da lata para ocupar, que era bem menos iluminada e arejada, se é que se pode considerar arejado algum ponto daquele lugar. Enfim, podemos dizer que a parte de baixo era infinitamente menos aconchegante e confortável. Todas as ervilhas que buscavam uma certa ascensão, ou seja, que tentavam ocupar, ilegalmente, a parte de cima e viver a vida das ervilhas grandes, verdes e bem afortunadas, eram severamente repreendidas pela água, que os levava para o fundo da latinha, e lá ficavam até que outra ervilha recebesse o mesmo castigo e fosse para o fundo. Então a presidiária anterior subia um degrau na escala hierárquica. Em aspectos gerais, é óbvio dizer que a comunidade das ervilhas não era tão harmoniosa como foi dito no início dessa narrativa. Ao longo de toda a eternidade daquela comunidade, se instaurou uma classificação por classes. Ervilhas fortes, verdes, coradas, robustas, saborosas, apetitosas que tinham todas as primazias providas pela água, e as demais, que eram consideradas ‘o resto’, descartadas de um ideário aprazível para denominar-se uma ervilha de boas maneiras. Essas miseráveis eram, na sua quase totalidade, amarelas, pequenas e defeituosas.
Certo dia, daqueles em que parece que tudo ocorrerá dentro da normalidade, com poucos casos de repreensão ou de ervilhas preconceituosas que chateiam as outras, devido à sua classe ou por serem pequenas, aconteceu algo que ninguém poderia prever, posto que nunca havia acontecido. Ocorreu um fato inédito, um fato sem precedentes na história daquela comunidade, que traria mudanças radicais para a vida daquelas ervilhas. É preciso dizer, também, embora se constate com o narrar dos acontecimentos, que aquele episódio seria definitivo para o término da própria comunidade. Mas, o mais curioso é que, ainda que as ervilhas, mesmo as mais sensitivas, para não dizer espertas e inteligentes, não soubessem exatamente quais seriam as conseqüências daquela fatídica ocorrência, todas elas uniram-se, buscaram um fortalecimento coletivo, em prol daquilo que mais tarde denominar-se-ia instinto de sobrevivência, de preservação da espécie. Por volta das doze horas daquele dia inédito, ouviu-se um barulho muito estranho de porta se abrindo. As ervilhas já tinham ouvido aquele barulho antes. Contudo, aquele barulho, isoladamente, não era muito significativo. Tão logo aquele barulho cessou, houve uma força externa inexplicável que balançou toda a estrutura da comunidade. Não só todas as ervilhas mas também a água, perderam o seu auto-controle. Começaram a ser jogadas umas contra as outras, contra as paredes de alumínio, contra o teto e, ao mesmo tempo contra o chão. Nunca havia se dado tal calamidade, em tais proporções. Essa agitação durou, na contagem de um relógio humano, mais ou menos um minuto. Quando se deu a calmaria, a qual, mais tarde, descobriu-se ser somente passageira, havia ervilha grande e saborosa no fundo da lata e outras que estavam literalmente esmagadas. Por outro lado também havia ervilhas feias e foscas na parte da cima, boiando sobre uma água completamente desnorteada e entontecida, para a qual a divisão hierarquicamente estabelecida, não só já havia a muito se perdido, mas também não tinha mais nenhum sentido, obra da confusão e do transtorno havidos. De repente, veio barulho perfurante lá de cima, como se alguma arma tivesse lhe feito um furo. Então, começou a entrar uma claridade muito intensa, muito brilhante, que vinha de um pequeno ponto da extremidade superior da latinha. Inacreditavelmente, as ervilhas sentiam que a mesma estava sendo virada. O teto foi se dirigindo para baixo e o chão foi para cima. Por conta da gravidade, todas as ervilhas foram imediatamente pressionadas contra o teto, e isso fazia um barulho muito diferente, fora do normal. Parecia que aquele teto de alumínio, a qualquer momento, iria ceder sob os pés das assustadas ervilhas.
Logo em seguida, quando se achava que tudo de impossível já tinha acontecido, surpreendentemente, a água, lentamente, começou a escorregar pelo buraco que havia sido feito na latinha. As ervilhas começaram a entrar num estado de choque e desespero completos. Era inimaginável que elas pudessem existir sem aquela água ao redor. É como se, numa visão mais romântica da situação, disséssemos que um caderno não pode viver sem as suas folhas ou que as calças não podem viver sem as pernas. A partir daquele momento, as ervilhas começaram a rememorar todo o tempo em que passaram juntos com a água naquela lata. Desde os maus agouros até os dias de pura felicidade e alegria foram objeto de lembrança daqueles seres amedrontados. Enfim, a água foi escorregando e, cada vez menos ervilhas podiam apreciar um último contato com a mesma, sentindo nela o seu próprio cheiro e sabor. Quando toda a água terminou de esvair-se por entre as ervilhas tristes e molhadas, pairou um sentimento muito estranho, quase a retratar a sensação de perda de um parente muito próximo. As ervilhas simplesmente não sabiam o que fazer. Ficaram paradas ali, sem se mexer, mesmo porque não conseguiam, posto que estavam presas umas sobre as outras. Era a água quem possibilitava a locomoção delas. De repente, novamente a surpreender o espírito pouco empreendedor e aventureiro das ervilhas, ouviu-se um barulho ensurdecedor. Por cima delas, o teto estava sendo rasgado nas suas bordas e a intensidade de luz e brilho aumentou infinitamente. Segundos depois a comunidade das ervilhas já estava sem teto. Melhor seria se elas conseguissem, a tempo, se organizar para formar um movimento contra tal atitude tirânica, perpetrada por não se sabe quem. Mas não conseguiram. Em questão de mais alguns segundos, a latinha foi virada e as ervilhas começaram a cair numa grande travessa. Assim que caíram e sentiram aquela travessa fria e espelhada embaixo delas, já sabiam qual seria o seu destino. Ao lado de alguns tomates, outros pepinos, milhos, ovos, palmitos e cebolas, as ervilhas tomaram o seu lugar na grande salada que seria ingerida logo mais, na mesa de almoço de alguma família saudável.

Fui numa festa supimpa.

Fui numa festa, esses dias, lá dos calouros da Escola de Arte Dramática. Uma festança, lá num hotel do centro da cidade. Cambridge. Primeiro, enfrentei uma confusão na fila. Uns bêbados e arruaceiros queriam entrar no lugar sei lá o quê e os seguranças impediram e tal. O Caco ta de prova. Mas aí, eu entrei. A moça da recepção é muito simpática. Não tenho meu nome na lista! E agora? Já sei. Vou usar o nome do Daniel, meu vizinho. Falei que eu era ele e entrei na festa. Atravesso a cortininha. Um ambiente escuro iluminado, várias pessoas. Alguns conhecidos. Encontrei o Vitor, encontrei a Tatiana, encontrei a Eliane, o Caco, o Davizinho, o Fabiano, uma mulher super charmosa que parecia muito com o Tayrone, uma travecona sem sal, a Dani, e mó galera. O Davizinho me disse: E aí Seu Molina, beleza? Você viu a Madame? Eu não, aonde? Ali! Segui com o olhar o dedo da pontaria até um pedestal onde ficavam as pick-ups. Uma escadinha à esquerda. Um palco à direita. Muitas luzes e fumaças. Atrás da sombra de névoas, ao som de uma música muito louca, ninguém menos ninguém mais que Madame Elizabeth the Queen! A DJ do negócio. Achei radical. Excelente. Eu não sabia. Quem diria? Madame de DJ. Adoro. Fui falar com ela. Muita excitação. Uau! A porta estava fechada. Bati uma vez. Bati outra vez. Estava um barulhão. Ninguém ouvia. Até que veio uma moça que estava ajudando a Madame, acho que ela é do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos não tenho certeza, abriu a porta e me deixou entrar, depois que eu me apresentei Olá, gostaria de falar com a Madame. Parabéns à turma 62 da EAD, espero que vocês tenham muito sucesso e alegrias e paz e saúde e escuta e harmonia e simpatia e perseverança e verossimilhança e tudo de bom.
Seu Molina
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Pra Ler - uma nova e antiga possibilidade!


Olá amigos, como vão? Há tempos que estou ausente da tecnologia virtual digital internet comunicativa. Também, não era para menos. Não consegui parar em frente ao computador nestes últimos dois meses, três semanas, quatro dias, cinco horas, seis minutos e sete segundos, oito, nove. Mas agora basta. Estou aqui de volta, depois de longa aventura pelas vias superfaturadas de adrenalina e fortes emoções. Num dia destes, domingo ensolarado nascido depois de contínuos dias de chuva escabrosa, as árvores faziam sombra verde sobre a arena no Parque da Água Branca. Um evento enorme que demandou a participação de mais do que meia dúzia de gatos pingados. E por falar em pingado, naquela manhã eu tomei o meu copo de café com leite e duas gotinhas de adoçante, pra variar. Segui para uma tenda toda colorida de azul e verde e vermelho e amarelo e roxo e mais outras cores. Brancas eram as mais de mil cadeiras de plástico dispostas diante do palco com mais de um metro e cinquenta e nove centímetros de altura, dez metros de largura e cinco de fundura. Por trás, desciam uns degraus direto para o camarim mambembe improvisado que o pessoal da organização preparou, com algumas ameixas pretas, uvas verdes e águas minerais. Café e chá e bolachinhas. Lá encontrei o Rubi, a menina da novela, a abóbora saltitante e os demais integrantes da banda Mirim, cujos prenomes e sobrenomes ou sequer apelidos eu me lembro. Desmemorialidades à parte, o que devo dizer, realmente, é que a manhã daquele domingo foi especial. Vários encontros superinteressantes, muitas pessoas, muita alegria, muita música, muita palhaçada. Para quem não sabe, foi a inauguração do projeto Pra Ler, um programa da Secretaria de Cultura do Estado de incentivo à leitura nos centros periféricos de São Paulo. Você sabia que o brasileiro, em média, lê dois livros por ano? É muito pouco, não é verdade? Então, imagina você. Se o fulano lê uns três livros por mês, quantos beltranos deixarão de ler sequer um livro por toda a vida? Isso não é brincadeira, não. Antes fosse. Agora, deixando de lado um pouco essa matemática radical para a qual a média é o resultado da pesquisa do ibope, o fato é que as pessoas precisam ler mais. E esse projeto tem este intuito desde a sua concepção. E por isso é importantíssimo e deve ser difundido. A leitura é o futuro das futuras gerações.
Seu Molina
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