AS ARANHAS DE SP


Adentrando a uma cápsula superlativa que reside lateralmente à grade de proteção da área de serpentes venenosas, no Instituto do Butantan, se percebe, encolhida e tímida, uma pata fina, machucada, de uma pequena aranha marrom, já velha e cansada da vida no confinamento.
A reunião em volta de Schertich se avoluma mais a cada centímetro que o sol cai no horizonte por trás dos prédios da cidade de São Paulo.
Schertich é a aranha marrom da qual falamos. A anciã é conhecida por sua sabedoria, palavra certa no momento exato.
Para a reunião foi convocada toda a comunidade aracnídea do Instituto, a saber que as tarântulas, por seu tamanho, ficaram responsáveis pela organização estratégica das outras aranhãs durante a reunião.
O motivo da reunião: soluções mirabolantes – concernentes à própria infra-estrutura claustrofóbica vigente – para a sua libertação.
A explanação da pauta terá seu lugar assim que a primeira estrela não aparecer no céu de São Paulo.
As aranhas chegam para a assembléia enquanto Schertich descansa para a longa jornada noite adentro.
A questão da moradia, para ela, já era assunto que lhe perseguia desde a sua mocidade, quando o prazer de construir uma teia junto a alguns galhos secos lhe foi tirado, por ocasião de sua condução arbitrária para o Instituto, onde foi vítima das experiências mais atrozes pelas quais já passou. E a fúria que sentia era sumariamente reprimida pelas luvas de couro cujas mãos que as vestiam queria picar.
De repente, ao se livrar desse repentino pesadelo, percebe que todas as aranhas estão já reunidas, amontoadas à sua frente no pequeno espaço interno da cápsula, se estendendo pelo jardim afora. As mais distantes quase espetam seus traseiros na ponta de arame farpado da grade protetora que circunda a cápsula em todo o seu diâmetro. Schertich faz um gesto para todas sentarem, pedido que é atendido prontamente.
Atenção: as exatas palavras que se disseram na reunião não se pôde compreender, pois são as palavras aracnídeas incompreensíveis ao ouvido humano, como o são tantas outras coisas. Acredita-se, ainda, que o inverso seja verdadeiro. As aranhas nada depreendem da enorme capacidade humana de articulação intelectual.
O que se viu após é digno de uma imagem quase expressionista, em preto e branco, acerca do tema ‘arquitetura das massas’...
Todas as aranhas se levantam juntas e, ao molde do mecanismo de um relógio bastante preciso, se encaminham para fora da grade de proteção. Juntas, ainda, passam pelas cápsulas anexas onde se encontram confinados os escorpiões, que se unem à causa aracnídea.
As serpentes, venenosas ou não, antecipadamente prevenidas do intento de suas vizinhas, às quais aderiram de pronto, fazem as vezes de balizas para o caminho para fora do Instituto.
Chegando num ponto do qual não se pode mais voltar, ou se avança na conquista ou se morre na praia. A indecisão, a falta de perspectivas mina qualquer possibilidade de triunfo.
As aranhas, os escorpiões, as serpentes identificam esse presente instante como um momento para reflexão e colocação das idéias no lugar. A pergunta é: qual o próximo passo? Não se sabe pelo que as aranhas decidiram, seja por causa do vocabulário incompreensível ao ser humano, seja por que não se viu nenhuma ação por parte das mesmas. Talvez, o momento de reflexão e meditação seja, até mesmo para as aranhas, muito importante e precioso.

2 comentários:

  1. Adorei, seu Molina.
    Nunca é demais refletir sobre a importância da reflexão.
    Esse texto nos ajuda a lembrar disso.
    Serão as aranhas mais corajosas que os humanos?
    Beijo no seu nariz redondo e vermelho.
    Marcia

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  2. O mundo dos aracnídeos é fascinante e a experiência de Schertich certamente tem muito a nos ensinar. Agora espero ansiosamente pelo não surgimento da primeira estrela para promover a minha própria assembleia. A pauta ? Ainda não pensei nisso, mas vou me certificar de divulgá-la em esperanto a fim de que bípedes, trípedes, quadrúpedes e octópodes possam se juntar a nós.

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