NOEL - O POETA DA VILA (CRÍTICA)

NOEL – O POETA DA VILA
Como são bonitas e encantadoras as mulheres e suas vozes, hein? O Noel devia ser um homem de sorte, de ouvidos de sorte. Nada surpreendente, levando-se em conta que Noel escrevia para elas, pensava nelas, chorava e cantava por elas. Aqui, mais uma vez, temos notícia da elevadíssima inspiração das musas, que tantas vezes prestaram aos poetas um apoio incondicional, incontrolável, invariável e inapelável.
Cada detalhe tem o dedo de seu diretor, o Dagoberto Feliz. A estrutura cabarística, amparada pela iluminação quase escura e os belíssimos figurinos em cores fortes de vermelho, traz para a relação ‘palco-platéia’ uma caliência própria da sedução que os atores imprimem nos expectadores. Quem não se sentiu seduzido por aquelas lindíssimas mulheres loiras com vestido decotado? Uma loucura, praticamente. Não se pode dizer o mesmo, contudo, da figura central do enredo. O próprio poeta, o Noel, usa um chapéu branco de abas largas, que nos impede de ver seus olhos, a fonte essencial de sua poesia. Aliás, também não se pode dizer que o Noel não tenha uma voz frágil e desafinada, e que a sua corcunda seja bastante protuberante. Essa tuberculose realmente era um problema, principalmente nas primeiras décadas do século passado, o XX.
A dramaturgia, costurada pelas próprias letras e músicas do célebre poeta que dá nome ao espetáculo, descobre, ao som das melodias por vezes suaves ou pesadas, uma narrativa, ainda que não linear, muito potente. Em nenhum momento, a estrutura do espetáculo se desprende das necessidades da narrativa. A rádio e o duelo de samba são um ponto forte dessa ligação entre um e outro. Outro ponto fortíssimo é a sintonia finíssima dos musícos com os atores/cantores, numa relação belíssima de se ver, num jogo bem cadenciado.
Seu Molina

UDI GRUDI – A DEVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Quem assistiu ao espetáculo do circo-teatro Udi Grudi passou por experiências extra-terrenas, extra-corpóreas e extra-ordinárias, qual um expectador que fica grudado na tela do cinema ao assistir ao clássico ‘A história do mundo’, de Mel Brooks.
Desde o início até o fim, a narrativa se prende em elementos bastante consistentes. As invenções e descobertas tecnológicas, cada uma a seu tempo, dão conta da linearidade quase fidedigna da própria criação divina. Ora, guardadas as devidas diferenças e proporções, não se pode dizer que os detelhes sejam negligenciados, mesmo porque, se assim não fosse, a uma hora de espetáculo seria suficiente para a criação dos seres unicelulares, somente. Mas não é isso que se vê no bem construído espetáculo dos meninos. Na tragetória da narrativa, os seres são criados, as coisas são criadas, as técnicas são criadas, as tecnologias são criadas, assim como as relações. Tudo é criação. A panela que solta fumaça que vira uma locomotiva; a roda misturada com a água que vira um rodamoinho, enfim... É muito legal. É radical. E é engraçado. Uhu! Vale a pena e o ingresso.

Seu Molina

MOCKINHPÓ - O PARAFUSO ENFERRUJADO DOS TEMPOS MODERNOS

Por mais ou menos remota e plausível que seja a referência à máquina industrial criada pelo ilustre vagabundo Charlie em Tempos Modernos, no meio da qual se perde em devaneios e inconveniências, não se pode jamais deixar de remetê-la à situação de Mockinpó, um sujeito que é levado pelas sandices legislativas, interpretativas e disfarçatórias, às últimas conseqüências para então, na medida de sua incapacidade perceptiva, elaborativa e executória, legitimar-se como um undergroud subterrânio da supervaloração sócio-econômica mundial.
Em outras e parcas palavras, Mockinpó é um sujeito cidadão fodido, por mais grosseiro que possa parecer o termo.
De sandices falatórias, no entanto, já nos basta. Havemos de nos introduzir à real instrução dessa razão.
O pessoal da EAD está em temporada com o espetáculo homônimo da peça de Peter Weiss, Mockinpöff, guardadas as devidas diferenças lingíüsticas. É porque a tradução brasileira jamais poderá ser efetivamente fiel ao original alemão, sob o ponto de vista dos aspectos formais da tradução, por óbvio. Mas, contrariando a inversibilidade do termo, a emenda poderá sair, sim, à moda do soneto. Desconsiderando-se a supra veritá da expressão: ‘ tradução é traição’, mesmo porque não nos importamos com isso, falemos do que nos interessa.
A montagem dirigida pela Claudia Shapira, e que juntou uma galera muito legal e etcetera e tal, vai além da potência quase sensivelmente panfletária do texto. A radicalidade dos elementos plásticos, aliados à essência perturbadora de todas as suas referências, na maioria imagéticas e sonoras, permite subverter geometricamente as potências caracterizadoras de sua própria densidade esquelética. Com isso, quero dizer que a espacialidade ganha uma amplitude que estrapola os limites de relação palco-platéia e nos leva – a nós, espectadores – a uma dimensão que transborda sentido em forma de poesia.
O figurino é maneiríssimo. Adorei. E o samba e tal... Adoro samba. É realmente radical. A mesa verde dos políticos é um ponto forte. Uhu!
O jogo cênico estabece os parâmetros de seu campo. Os limites definidos permeiam a relação coesa e precisa dos atores para consigo mesmos. Uns corpos lindos e outras vozes muito lindas e surpreendentes. Belíssimo espetáculo!

Seu Molina