INADIÁVEL, IRREMEDIÁVEL


Há inúmeros fatores que se pode numerar e organizar numa lista de tarefas imediatas, inadiáveis, cuja inadimplência será causa de irritação extrema, unilateral, da matriarca responsável pelo limpo, asseado lar, doce lar.
Uma pequena partícula, por menor que seja, microscópica quissá, é bastante para que o abalo sísmico intransponível seja de dimensão sobrevalente em sua fúria intensa e perfurante.
A perspectiva de deixar o campo de batalha ileso é totalmente nula. O faro felino e esmiuçador da suprema singularidade maternal é certeiro.
Uma pilha de roupa passada por guardar, em cadeira sobressalente junto da parede de vinho que divide o quarto e a sala, por uma semana, é oprimida com vigorosa devoção da dona de casa. Este detalhe na curva filosófica da realidade com a poesia, a depender de experimentos sociopatológicos de reflexão permeável e amigável, passa desapercebido, porém percebido. Tchum. Nada escapa aos olhos de águia, coração de mãe e espírito de anciã.
Alguns pares de tênis e chinelos e papétes e meias e cuecas jogados pela sala são inadmissíveis no quadro crítico de equivalência gemial, relativamente ao esporte às seis da matina com corn flakes e mamão com aveia.
Quem vê o retrospecto distanciado não pode refrescar a cuca em favor deste autor. Muito pelo contrário: se houvesse julgamento, a unanimidade recairia sobre a alva e branda aura representativa da mãe. E com razão!
Mas outro dia, o escândalo só não foi maior porque a vizinhança, que estava à toa na vida vendo a banda passar parou para ver o escândalo sensacionalista. Ao que foi que, percebendo-se fragilizada diante da ejaculação dignitária, baixou o binóculo multifocal, colocou-o na pochete, e pôs-se para dentro de casa.
Sabe qual foi o grandioso motivo causador do escândalo? A razão grotesca e bizarra que deu origem à absessa cólera?
Agora, falando sério. O escândalo, ao meu ver exageradamente desproporcionado, se deu quando avistou-se, numa cama de quarto estudantil, com muitos livros e papéis e cadernos e apostilas e fotografias e LP´s e DVD´s, três toalhas molhadas em cima do travesseiro, cuja fronha tinha mancha de caneta bic e molho shoyu com mostarda e uma pitadinha de maionese, gergelim no pão, com dois hambúrgueres, queijo e molho especial, e por cima uma cueca com a estampa de uma autopista e um caminhão que freia bruscamente, e um monte de panfletos recolhidos pelas ruas espalhados pelo chão e uma bola colorida do playcenter, daquelas bem grandes, atrás da porta.
E o escândalo foi muito grande. Uma bronca e tanto. Para ela, inadiável. Para ele irremediável.

Um comentário:

  1. Seu Molina,

    Li, com surpresa, essa bela crônica e nela me vi inserida.
    Com olhos de águia, coração de mãe, espírito de anciã e, quase, com nariz achatado, quando a referida bola atrás da porta fez com que a mesma voltasse para a face da raivosa musa inspiradora do texto.

    Com meus mais altos protestos pelo espírito ancião citado, mas com muito amor.

    Marcia

    Marcia

    ResponderExcluir