A LEI É PARA TODOS, OU ENSAIO SOBRE O RELATIVISMO LEGISLATÓRIO Inicio este ensaio, caros leitores, trazendo certa luz a um detalhe de extrema importância, cujo estudo nos fará perceber a profundidade e a complexidade do tema, que, apesar de tão óbvio e previsível sob o ponto de vista legislatório, se concretiza sob vias enviezadas e controversas, muitas vezes colocando em xeque a própria estrutura cívica e democrática de um país, como por exemplo algum desses países da América do Sul onde se fala o português, somente a título de exemplo, que fique bem claro. Falo especificamente do título deste ensaio, no qual se observa a ausência do sinal de pontuação. Poder-se-ia discutir a relevância de se observar a importância da necessidade de se ter um título finalizado com certa pontuação. É preciso dizer, catergoricamente, que no presente caso a relevância da observância da ausência da pontuação é condição fundamental para se estabelecer os parâmetros do paradoxo contido em tal questão. Ora, uma vez que pontuação final não há, é certo concluir que ao título da referida crônica poder-se-ia atribuir qualquer sinalização, seja de ordem afirmativa ou negativa, ou ainda de ordem interrogativa. E devo dizer que é exatamente este o ponto a ser abordado, no tocante às inúmeras e diversas possibilidades de se lhe atribuir sentido. Em outras palavras, quando analisamos o título, verifica-se a ambiguidade de sentidos. Por um lado, pode-se afirmar que a lei, sim, é para todos. No entanto, ainda assim, é preciso analisar a concretização de tal afirmativa. Então, se a lei é para todos, vislumbra-se duas possibilidades muito evidentes, sob o ponto de vista de sua realização: a de que seja realizável na prática e a de que não seja realizável na prática. Para fins de simplificar a celeuma discursiva, adotemos, por agora, a sugestão de levar a letra da lei, da palavra, ao nível de realidade. Ou seja, se está escrito então é porque é. Isto posto, deixemos de lado as preliminares irrelevantes e adentremos ao ponto chave da questão. De volta à análise do título, sob o ponto de vista da linguagem sintática, temos o seguinte conceito: a lei é para todos. O que é fácil de se comprovar, haja vista o artigo quinto da constituição federal brasileira, que dispõe sobre a equiparação legislativa independente da classe social do indivíduo. Todos são iguais perante a lei, é o que está escrito, e quem discordar estará discordando de nada menos que a suprema lei que rege o nosso país democrático. Basta, para corroborar tal afirmação, colocar um ponto final no título, ou até mesmo um ponto de exclamação. Não restará quaquer dúvida ou necessidade de esclarecimento se o conceito for colocado da forma adequada, qual idealizada pelo mais renomado legisador: A lei é para todos. Todos são iguais perante a lei! Não resta qualquer possibilidade de não entender o papo reto. A lei é para todos, já dizia a constituição federal da nossa pátria amada. Todavia, por outro lado, poder-se-ia observar que, já que não se encontra qualquer pontuação final no título, que o sentido do conceito poderia ser atriuído pelo próprio leitor. E se se colocasse um ponto de interrogação, de modo a causar a discórdia e a polêmica sobre um assunto tão assertivo? E se lêssemos, já no título deste ensaio, uma pergunta, uma dúvida sobre igualdade perante a lei? O que se diria? A lei é para todos? Todos são iguais perante a lei? E se, ainda, mais uma vez a proveitar a ausência de qualquer pontuação contida no título, fosse atribuído qualquer sentido, seja figurativo, seja implícito, ao conceito do título da presente crônica? E se fosse escrito, logo após o título ausente de pontuação, a seguinte palavra, entre parênteses, como a sugerir uma ação psicológica, (gargalhadas), ou (risadinhas de desdém)? Fico a imaginar o impacto que seria ler, em algum lugar, ou até numa crônica, porque não, o seguinte título: A lei é para todos (gargalhadas). Ou então: Todos são iguais perante a lei (risadinhas de desdém). Ou ainda, num desses instrumentos tecnológicos, observar que em algum lugar está escrito: O artigo quinto da constituição federal do Brasil dispõe sobre a igualdade de todo cidadão brasileiro perante a lei, independente de cor, sexo ou condição social. E, ao final da frase, um anágrama de códigos cibernéticos, tal como 'kkkkkkkk' ou 'rsrsrsrsrsrsrsrs' ou 'SQN'. Tudo isto para dizer que talvez seja, senão impossível, muito difícil facilitar a celeuma discursiva. Verifica-se uma enorme dificuldade em levar ao pé da letra o título deste ensaio apenas por meio de seu significado de afirmação. Como acreditar que a lei é para todos ou que todos são iguais perante a lei, quando vemos, quase que diariamente, na televisão, no jornal, na revista, ou observando situações na rua, cenas pitorescas que traduzem a exata oposição da letra da lei suprema da nossa constituição federal? Passemos a relatar duas situações similares que traduzem integralmente o ponto que aqui se aborda. A exemplo de que, perante a lei, todos devem ter o mesmo tratamento, é possível estabalecer uma contradição inequívoca, sob a égide do conceito de tratamentos iguais conforme suas respectivas desigualdades. Vejamos, pois. O primeiro caso é o impressionante relato do juíz de direito que foi pego numa parada de blitz da lei seca, alcoolizado, sem os documentos do carro, que não estava sequer emplacado. Em circunstâncias normais, é certo imaginar o que aconteceria com o sujeito pobre coitado que foi vítima da ação, com a intensa contribuição da Companhia de Engenharia de Tráfego. Mas, como nosso infrator era um juíz de direito, então o mesmo foi desenquadrado, por si mesmo, da categoria de mero cidadão normal. Aqui temos uma ferramenta poderosa da síndrome do pequeno poder. Nosso juíz de direito deu voz de prisão à agente da Companhia de Engenharia de Tráfego, que apenas estava cumprindo sua obrigação, numa demonstração cabal de que todos os cidadãos, caros leitores, não são iguais perante a lei. A segunda situação, bastante parecida com a primeira, se deu no dia de hoje, quando eu fazia as vezes de mero observador da vida cotidiana. Mas, para que o alcance da compreensão por parte do leitor seja total, deve-se fazer um pequeno aparte, no sentido de clarificar o exato termo da sigla TRF. Ora, caro leitor, trata-se do Tribunal Regional Federal, um órgão mais do que importante do nosso importante Poder Judiciário, uma dos pilares tripartidos da nossa bem estabelecida democracia brasileira. E não estamos a falar de qualquer tribunal, não. Trata-se de um Tribunal Federal, sediado num edifício majestoso bem no coração da Avenida Paulista, talvez o centro financeiro da capital paulista. Voltemos à situação bizarra que deu origem à iniciativa de se escrever o presente ensaio. Estava eu numa dessas pequenas ruas de bairro, num cruzamento recheado de pedestres atravessando a rua com o semáforo de cor verde lhes piscando, quando de repente, não mais que de repente, surge um grande carro, preto, luxuoso, com três grandes letras inscritas em sua placa: TRF. Tribunal Regional Federal, pois. E eis que, contrariando toda a lógica desenvolvida para estabelecer a igualdade de direitos entre cidadãos, o majestoso carro luxuoso, que provavelmente carregava um juiz ou desembargador federal, ou sua esposa ou filha necessitadas de fazer compras, ultrapassa o semáforo vermelho, impedindo os demais pedestres de exercer seus direitos de ir e vir, sob o risco iminente de se tornar vítima de um atropelamento. Nada mais a dizer, caros leitores. Somente a amarga conclusão de que, na nossa sociedade democrática de direito, nem todos são iguais perante a lei.

Nenhum comentário:

Postar um comentário