ESFUMAÇAMENTO DA CONSCIÊNCIA POLÍTICA DO CIDADÃO MÉDIO BRASILEIRO Hoje, quarta-feira, dia 29 de outubro de 2014, quase três dias completos passados do resultado anunciado das apurações da votação para eleições presidenciais, resolvi manifestar-me, não exatamente a respeito das eleições propriamente ditas, nem das respectivas campanhas, ou tampouco das respectivas imprecações blasfematórias que se ouviu por aí nas últimas semanas, mas para compartilhar um fato muito interessante, que talvez possa refletir um pouco do que ainda não consigo denominar muito precisamente, mas que pode ser classificado, sob um ponto de vista muito particular, como uma espécie de esfumaçamento da consciência política do cidadão médio brasileiro. Mas, antes, é preciso fazer um retrospecto noticial acerca das questões que envolveram todo o processo de campanha dos candidatos Dilma e Aécio à presidência da república, o mais alto cargo elegível de nossa democracia. Desde o início das campanhas, e com muito mais intensidade nas semanas que antecederam o segundo turno das eleições, constatou-se a formação de uma polarização muito acentuada, com relação às questões macroexistenciais das propostas de governo de cada um dos candidatos. Quem votava em Aécio xingava o eleitor de Dilma de comunista e burro. Quem votava em Dilma xingava o eleitor de Aécio de coxinha e reacionário. Era só passar o dedo de cima para baixo na linha do tempo do facebook insalado em algum dispositivo tecnológico como telefone celular ou tablet, que podia-se verificar o assunto dominante, ou talvez o único assunto de que se falava. Do dinheiro da Petrobrás ao desvio de verba da saúde no governo de minas, da corrupção de um à falta de honestidade do outro, do mensalão petista ao mensalão tucano, o fato é que pouco se viu de debate de propostas efetivas, mas sim, agressivos brados de ódio e intolerânia de ambas as partes. Tanto assim foi que decidi não me prenunciar acerca desses assuntos. Não queria ser taxado de coxinha reassa nem de porco capitalista. Ou vice e versa. Dito isto, temo dizer, acho que dei um tiro no pé. Assumo aqui, réu confesso, que meu voto não foi por Dilma nem por Aécio. Votei, sim, no Eduardo Jorge, e no carismático candidato ao senado, que levou nem um por cento dos votos, Kaká Werá. Minha vibração atual está em me dedicar a questões pertinentes à integridade do meio em que vivemos. Me preocupo com o amanhã, se haverá água pra se beber, ou ar com a qualidade boa pra se respirar, ou uma verdura livre de toxinas pra se comer. Mas isso não vem ao caso. Voltemos ao tema. Tendo dito que a minha preferência por Aécio ou Dilma foi inexistente, nula, cabe somente confirmar minha confissão, ainda que extemporânea. Não votei nem por um nem por outro. E podem me chamar do que quiser, coxinha comunista, reassa burro, esquerda caviar ou direita sei lá de quê. Não me importa. Quero somente contar um causo divertido pois, assim, creio que terei mais utilidade pública do que apenas expressar minha opinião, em favor de um ou outro lado, de maneira reativa e arbitrariamente agressiva. E, aí, então, chegaremos ao ponto da questão, do esfumaçamento da consciência política do cidadão médio brasileiro. Vamos o causo. Dona Lúcia é a moça que trabalha lá em casa, faxinando ou cozinhando ou lavando a roupa. Dona Lúcia é uma senhora de cinquenta e poucos anos, hipertensa, diabética, e que está na fila para transplante de córnea. Mas não vem ao caso tratar dessas questões patológicas. Assim como não vem ao caso o fato de Dona Lúcia ser fascinada por um doce. O que vem o caso mencionar, a título de emenda para a questão central, a do esfumaçamento da consciência política do cidadão médio, é que Dona Lúcia faz de tudo pra comer um doce, apesar de sua condição diabética e necessitada de um transplante de córnea, decorrente da diabete avançada. Nesse quesito, é difícil imaginar que Dona Lúcia tenha, senão amor prório, alguma consciência de quais condutas deve adotar para reverter tal quadro, se é que se pode falar da reversibilidade do mesmo. Hoje a Dona Lúcia foi trabalhar lá em casa. Quando entrei na cozinha, logo de manhã, para tomar um café, logo após o 'bom dia, como vai, tudo bem', ela me perguntou se eu tinha votado na Dilma. Eu disse que não tinha votado na Dilma. Aí ela fez uma cara de quem comeu e não gostou. Provavemente deve ter passado pela cabeça dela algo do tipo que outrora fora tão difundido na grande mídia a respeito dos eleitores que não votaram na Dilma, como coxinha a reacionário, e que talvez, por ter assistido de perto alguma manifestação desse tipo, tenha pensado em reproduzir. Aí eu falei que também não tinha votado no Aécio. Aí o tempo fechou. A cara da Dona Lúcia era a de quem não estava entendendo patavinas do que eu estava falando. Vendo que ela não disse nada, resolvi complementar a informação. Repeti que não havia votado no Aécio tampouco, que tinha resolvido exercer o meu direito democrático anulando o meu precioso voto. Aí ela disse, quase revoltada, com uma voz taciturna e constipada, talvez por causa da gripe, mas que vibrava nas cordas vocais como um certo tom de desapontamento e desilusão: 'Puxa, Dani, você anulou seu voto? Que pena!...' Então eu disse, da maneira mais delicada que consegui encontrar, que o voto era meu e que eu fazia dele o que bem entendesse. Bastaram alguns segundos para a que Dona Lúcia pudesse entender o sarcasmo da colocação, tendo respondido logo a seguir: 'Que menino desaforado. Aff...' Então eu repliquei: 'Dona Lúcia, porque você está tão revoltada por eu ter anulado o voto?' E ela treplicou: 'Porque aí o voto vai ajudar a Dilma.' Aquilo me deixou intrigado. Não tanto pelo fato de duvidar da veracidade da informação. Quem poderia ter dito isso a ela? Sendo verdadeira ou mentirosa, tal afirmação não me abalou por tal sentido. O que me deixou confuso, confesso, foi o fato da Dona Lúcia ter ficado indignada com o fato do meu voto nulo ter favorecido a Dilma, sendo que ela própria havia votado na Dilma. 'Não entendi', falei. Creio que ela também não entendeu. E aí chegamos, finalmente, ao cerne da questão. O tal do esfumaçamento da consciência política do cidadão médio brasileiro. Ele sabe que votou ou deixou de votar em fulano ou beltrano, mas desconhece o alcance que seu voto provoca. Quais as consequências de ter votado em Dilma ou Aécio? E mais...Quais as consequências de ter votado em ciclano ou em sei lá quem para o senado ou para a câmara dos deputados? O cidadão médio tem consciência de que seu voto pode ter favorecido, por exemplo, fulano ou beltrano que, por sua vez, pode ter sido responsável pelo veto de um projeto no Congresso Nacional, projeto o qual beneficiaria a própria representatividade do povo diante das decisões tomadas? Ou seja, o cidadão médio brasileiro tem a consciência de que votou num ciclano que está pouco se fodendo para a representatividade daquele que lhe concedeu seu voto? Ou está pensando apenas no bembom que será exercer o poder com a máquina pública ao seu dispor, à revelia do voto de confiança do cidadão médio brasileiro? E podemos supor que esse tal cidadão médio, que pode ser a Dona Lúcia, mas que pode também ser o dono do boteco da esquina ou o encarregado da entrega do botijão de gás ou o gerente da loja de roupas no shopping tatuapé ou iguatemi ou jk ou até um mero escritor de crônicas, como por exemplo este que vos escreve, tenha plena e total consciência das consequências de suas ações e condutas como cidadão médio brasileiro? Seria possível supor que um sujeito que pratica atos que lhe são pessoalmente prejudiciais, como por exemplo comer um torresmo bem gordo na saída da consulta do cardioogista, vá ter absoluta consciência da dimensão do seu voto? Se não sabemos definir o que é melhor para nós mesmos, ou ao menos não praticamos ações para atingir tais objetivos, o que dirá do nosso discernimento do que é melhor para o outro, tendo isso como base para decidirmos o nosso voto? Eis o esfumaçamento da consciência política. Suponho que, no geral, o cidadão médio tem uma visão distorcida das suas atribuições em sua dimensão política. Ou então o sistema lhe tolhe sobremaneira as condições vitais para fazer alguma mudança significativa. Mas sejamos bravos, persistentes. Continuemos votando certo, de acordo com a nossa consciência, bem como tomando condutas dignas de um cidadão com a consciência política para fazer acontecer a mudança, a reforma, alguma coisa diferente do que aqui e agora está colocado, posto que assim como está, realmente, não dá mais pra ficar. Tanto no âmbito da política externa quanto dentro de nós mesmos. Já se ouviu dizer por aí, numa dessas famosas expressões do dito popular de autor desconhecido, que quem muda a si mesmo muda o mundo.

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