CHARADA


O menino do boné vermelho pra trás senta na guia do meio fio que divide a praça da rua. Espera a máquina tricolor esverdear e conduzir à sua fluidez truncada o trânsito de carros de janelas fechadas e blindadas. As havaianas pequenas deslizam e deixam sua marca no asfáltico solo, incandescente piano de poucas cordas bambas.
Esverdeou. Os paquidermes de Roberto Piva se enfileiram quais gotas d´água sendo comprimidas num frasco de perfume azedo.
No meio das janelas suspensas, destaca-se ao fundo um vidro lascado e trincado e o menino, então, como num corredor escuro que finda num ponto luminoso, caminha diretamente ao rapaz por trás do volante e diz:
- Posso fazer uma pergunta?
O rapaz olha para o menino e diz que sim.
O menino diz:
- Qual é o meio de transporte que não faz curva?
E o rapaz, no seu íntimo inconsciente, lembra que aquela pergunta já lhe havia sido feita num passado de localização inqualificável, talvez pelo mesmo menino da rua, ou não.
E, como se lembrara da pergunta, por certo, mas não óbvio, lembrou-se da resposta:
- Elevador!
O menino fez cara de quem acha que a vida segue rumos estranhos àqueles por nós planejados. A sua frustração evidente estampa-se na cara até quando o rapaz do volante diz como quem tenta dar um conselho:
- Você devia fazer perguntas mais difíceis.
O menino abre um sorriso com um dente faltando e outro mole e se afasta para a guia à espera do momento em que a máquina, novamente, vai lhe trazer, daqui a uma hora, talvez, uma outra janela aberta e disponível.

Um comentário:

  1. Seu Molina,

    Me surpreendi... à medida que lia, achei que o menino iria assaltar o rapaz do carro.
    Foi uma grata surpresa. Bonito...

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